quinta-feira, 6 de março de 2008

QUANDO O CANÁRIO NÃO SOUBE VOAR

Uma vez eu vi um menino deitado numa tarde de sol
O céu feito uma lousa
O corpo estirado na calçada mal terminada de seu bairro secreto

Diziam na televisão que a voz morreu numa terça-feira de janeiro
E que nesse ano um canário ganharia uma copa

Mas o menino ainda era livre dos olhos
E mantinha-se refugiado nas ruas de uma pequena cidade

Sabia que vinha por detrás dos anos
Os professores acovardados
Doidos pra encurtar o seu doce olhar

O desconhecido que hoje espera depois da porta da sala de estar
Era o mesmo que acenava de uma padaria
De uma canção
De um carro sem cor
Da lua
Do sorriso que a mãe oferecia quando era hora de acordar

Ele sabia que viver não era esperar um sábado
E que os terços de seu avô podiam conversar

E que da torre perdida da matriz
Deus chorava e ria quando chegava a hora do sino tocar

Uma vez eu vi um menino deitado numa tarde de chuva
O céu feito uma cortina
O corpo lavado do medo que hoje é vendido via celular

E do lado esquecido
Contava as preces que faziam a novena andar
Silêncio sempre confundido
Mas nunca
E nunca o olhar

Toda noite o sono esperava
Até que o misterioso trem o viesse visitar

Então um dia ele viu um homem vestido com terno e gravata
Chorando num banco de praça
E também o pipoqueiro
O dono da farmácia
O vizinho e o diretor da escolha

Ele não achava possível tudo aquilo
Um país inteiro com um hino
Pois o canário deixou a copa escapar
Mas será que o choro era só isso?