quarta-feira, 30 de setembro de 2009

BANDIDO

Vem até aqui
Vem e se entrega
Deixa eu bater a carteira do teu coração
O dia é uma televisão
A noite é um cinema
A tua dor esfarela na palma da minha mão

Vem até aqui
Vem e se ajeita
Deixa eu roubar o foco do teu olhar
A noite é o corpo a suar
O dia é só saudade
O teu riso fica comigo pra quando eu voltar

Sem que você saiba
Sem que você veja
Eu pego pra mim o que sobra de você

Vem até aqui
Vem e se aceita
Deita tua alma na imensidão do meu colo
De dia o teu corpo é o que falo
De noite o teu corpo é o que faço
A tua paz é o regaço que resta da gente depois

Sem que você peça
Sem que você negue
Eu pego pra mim o que sobra de você

Tua dureza pelo ar
O meu choro tão fechado
Diz pra mim o que é o rochedo sem o mar?

terça-feira, 29 de setembro de 2009

PASSEIO



Despe-se a cidade da pouca luz
O sol detrás de um céu nublado
Acanhado diz adeus

Deita à sombra das coisas
As avenidas
As buzinas
As passadas desordenadas nas escadas do metrô

Que vento pode correr as vias até você?
Que grão de garoa pode sussurrar meu nome em teu ouvido?

Escondo dentro de mim tuas estrelas
A paz é uma solitária beleza
Cercada de feiúra

Desliza à cor das almas
Os viadutos
As cervejas
A arrogância elétrica das torres sonolentas

Que saudade pode furar tuas paredes?
Que vontade pode embriagar teus cães de guarda?

Então eu passeio
Eu passeio
Vê se nalguma esquina você me espera

Reclamo o sabor de uma alegria
Um metro quadrado de vida
Como um abrigo

Dança ao perdão da chuva
Os semáforos
As vitrines
Os copos desalinhados no balcão do boteco

Quem sabe a gente se acha de vez naquele dia?

Então eu passeio
Eu passeio
Vê se nalguma esquina você me pega

COR DE SAUDADE

Não quero nada teu
Tua postura
Tua certeza
Mimada, errada e miúda
Tua voz
Teus dedos que apontam
Teu orgulho e medo
Medo
Medo
E medo...

Não quero nada teu
Tua perfeição
Tua sala
Arrumada, quieta e morta
Tua cama
A chama do teu isqueiro
Tua vida programada
Medo
Medo
E medo...

Nem quero teu perdão
Nem quero tua lágrima
Você chora sorrindo
E segue
Indo
Indo
E indo bem raso dentro do teu peito

Não quero teu consolo
Quero morrer no meu mundo aqui dentro
E hei de nascer aqui dentro de novo
E hei que querer tudo de novo
E hei de buscar no mundo de novo
Você

Pois do filho que a gente ainda não teve
Eu sei que os olhos têm cor de saudade

TODO ERRADO


Sou todo errado meu Bem
Na manhã que explode no relógio da matriz
Na caminhada aflita da gente que se tromba
Na quietude de quem cala uma dor
Na calma doentia de quem aceita a alma enrolada em arame farpado

Sou todo errado meu Bem
No medo de ouvir o que a lua diz
Na postura adestrada de quem não zomba
No peito cego diante de uma flor
Na cama arrumada onde a cabeça repousa sem ter ao menos sonhado

Sou todo errado meu Bem
No manual que essa gente usa pra ser feliz
Na educação em ter no peito uma tumba
No coração que nunca chora um amor
No refrão que a multidão decora pra deixar a vida de lado

Sou todo assim
Esse rascunho da vida certinha
Essa história fora do contexto sem começo nem fim
Mas advinha meu Bem
Sou todo errado pra te amar como ninguém!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

E UM DIA

Descole tua tosca diversão
Um passeio pela tua conversa fiada
Um drinque da tua alma miúda
Eu deixo que abuse um pouco do meu tempo
Tente o tom do meu canto
Só um pouco antes que eu te negue atenção

Descole tua morna ilusão
Tenha o cuidado de não ficar ao meu lado
Tenha o cuidado de guardar distância de mim
Você não agüenta o tranco de ser livre assim

Descole tua tosca diversão
A cara enfiada nas letras de um jornal
A frase da tua mentira matinal
Eu seguro em tua mão pra você atravessar a lua
Mas a volta é só tua
E você teima sempre se esborrachar no chão

Descole tua morna ilusão
Decore a tua vida com teus móveis
Teu armário
Teu controle remoto
Teus brincos dóceis
O estofado de couro
Teu carro veloz
O relógio de ouro
Tua anestesia em alta definição
Teu cartão sempre à mão
E um dia nada que tenha feito rir o teu coração

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

TUA ROUPA


Teima
Teima até quando eu deixar
Até que o mundo acabe
Até que a vida tombe
Na mentira espessa e breve que você tentou contar

Teima até quando eu quiser
Até que as flores morram
E outras novas subam
Sem que suas cores balancem quando o carnaval vier

Eu queimo em você
Desse fogo você não se poupa
Quando o labirinto castanho dos meus olhos vem tirar tua roupa

Teima
Teima até quando eu mandar
Até que tua paz desmonte
Até que a lua desbote
De tanta vigia tua tentando no céu me encontrar

Eu moro em você
Isso você não arranca à tapa
Então espera comportada que prometo tirar a tua roupa

ATÉ LÁ, ATÉ NÓS

Vê lá que agora a luz colocou o pijama
No escuro da tua casa o meu fantasma
Chove o que era o meu corpo no teu lençol
Ferve a minha voz dentro de você feito anzol
Fisga o sereno da rua
E derrama bobagens da minha boca na nuca tua

Você me rabisca com cor de mágoa
Guarda pedras nos bolsos da tua calça
Quando será que vou passar pela sua rua?

Você afoga meu gosto num café
Queima meus beijos dentro de você
Quando será que vou adoçar a tua amargura?

Quantos quilômetros dentro do peito a gente guarda?
Quantos anos passam numa única madrugada?

Vamos ver isso depois
Até lá, Até mais
Até lá, Até nós

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O CARNAVAL JÁ VAI CHEGAR



Olá Oteb
Fiz agora um quintal pra você brincar
No pescoço a companhia de um santinho
Na alma a cicatriz daquele mudo carinho
Mas agüenta
O carnaval já vai chegar

Olá Oteb
Fiz agora um céu pra você se balançar
Lá se vai o barco na enxurrada da rua
Lá se vai o retrato se pendurar na lua
Mas agüenta
O carnaval já vai chegar

O carnaval já vai chegar

Olá Oteb
Fiz agora um café pra você acordar
No bairro não há mais bancos de jardim
No sono não há mais lugar pra mim
Mas agüenta
O carnaval já vai chegar

Há algo teu em algum lugar
Uma paz repentina
A luz que vence a cortina
Há algo teu em algum lugar
Serpentina! Serpentina!

Olá Oteb
Fiz agora um drinque pra você mergulhar
A tristeza agora é uma educação
A tristeza agora é só educação
Mas agüenta
O carnaval já vai chegar

O carnaval já vai chegar

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A MADRUGADA QUE EU DOU DE PRESENTE

Vago na bruma do apartamento
A hora escorreu pelas calhas
Embebedou-se e não deu as caras
Os tacos em retângulos brotam pelo chão
Um enxame de estrelas vem dormir na minha mão
Vão-se os fantasmas dançar no firmamento

Largo no céu hoje o riso do meu coração
Sobem até aqui os contos do paralelepípedo
Escapa das árvores um cochicho ávido
No jardim do museu a quadrilha das flores se contorce
A água esverdeada engole as gostas que a chuva tosse
Fosse a calma uma almofada despida de ilusão

Segue ela
A sua espera é uma carta com letras de fogo
Que confessa
Nem mirrada nem espessa
A manhã tóxica que não engasgo
Feito que um fantasma agora eu também sou

Eu também vou
Pela janela meus olhos feito borboletas
Caçam a moça visitando portas
Frestas
Ruas secretas
Ela em seu sono nem pressente
A madrugada que eu dou de presente

Faço a festa no dorso do apartamento
O vapor do café escapa
Sobe as escadas do ar da sala
Na fotografia as cores já roncam o seu sono
Quinze andares abaixo um carro espera seu dono
Pleno de si o silêncio trinca-se no soluço de uma moto

Segue ela
O meu rosto é o que teima seu olhar caprichoso
Que suporta
Que è a derrota
Da manhã tóxica que não uso
Feito que um fantasma agora eu também sou

Eu também vou
Pela janela meus olhos
Meus braços e ombros
Minha alma que deságua
E ela em seu sono nem pressente
A madrugada que eu dou de presente

PEGO DEPOIS

Fique com as fotos
Com as toalhas
Com o gosto de nunca mais
As migalhas
As muralhas
O meu nome na sola dos teus pés

Fique com os pratos
Com as paredes
Com as cortinas na tua cor
As nossas tardes
Nossos alardes
Apague do corpo o meu suor

Que seja tão bonito assim
Que a tua vida tenha mil sóis
Mas esse em teu peito que espera por mim
Eu passo pra pegar depois
Eu passo pra pegar depois

Fique com a prata
Com teu trago
Com teu humor todo confuso
O estrago
O amargo
Minha boca embebedando teu juízo

Fique com o carro
Com o cobertor
Com o rosto maquiado de alegria
O tremor
Engasgue o amor
Com as mãos dadas ao vento todo o dia

Que seja tão calmo o céu teu
Que o mundo acredite no que você diz
Mas esse em teu peito que é todo meu
Eu passo pra pegar depois
Eu passo pra pegar depois

Fique com a cama
Com as gavetas
Com o tempo parado na garganta
Tranque a alma
Viva o coma
O olhar cativo de mim quando a lua é alta

Sinta a falta
Sinta a falta e espere
Tranque tuas portas com rebeldia
Não desespere
Eu destranco você um dia

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

ENTÃO DESÇA


Desça mais um pouco pra se sujar
O cargo almejado
Um aumento de salário
E mais um pedaço de você fuzilado

Mas desça

Desça mais um pouco pra se acabar
No fosso da alma
No sonho bobo dos coitados
E lá se vai mais um pedaço de você

Mas desça
Insista
Tenha força de vontade
A vontade do edifício
Que no fim do dia você terá o carinho do seu novo automóvel

Desça
Insista
Logo a moda perdoa o que você ouviu de mim
E coloca um neon no seu riso chinfrim

Desça