quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

QUIETO

Nem faz mais barulho aqui dentro
Nem quero mais perder uma conversa com você
Uma sílaba
Uma lágrima

Guarde a sua piedade
Para as almofadas da tua sala de estar
Tua sala de fingir que daqui a pouco poderá gargalhar

E é quieto
O que é meu
Que escapa de você
É quieto
Esse barco que vem bem devagar
Esse barco que vem bem devagar
Pra um dia me levar daqui

Nem faz mais barulho aqui dentro
Nem faz mais barulho as coisas que despencam
Do teu rosto
Da tua voz

Não pode me seguir
Por onde vou é meu espaço de sonhar
Meu espaço de repassar um erro ou dois

E é quieto
Esse barco que vem bem devagar
Esse barco que vem bem devagar
Pra um dia eu sumir de ser você

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

NO CENTRO

O tempo nublado
Passada sem tempo
Pra qualquer sorriso
Pra um sonho secreto...

O jeito acanhado
Meio mal-humorado
Bom dia às vezes
Depois até mais...

Barulho se faz
Buzinas num jazz...
Inquietude que jaz
Desmaia no peito...

Com todo respeito
Me calo e te olho
Demonstro sem jeito
O amor que ignora...

Tua falta de fala
Tua garoa sambada
Tua gente que canta
Pra por riso na cara

Parece que o sol desconhece os teus telhados
Mas não...
Eu sei que mesmo com esse tamanho te manténs reservada
A minha dessas minhas madrugadas

A gente até leva
A gente até lembra
Do giro da bola
Dalguma história

Da noite passada
Saudade velada
Semana passada
Alegria sonhada
Saudade velada
Mais uma gelada... Mais uma gelada

O tempo guardado
Um sorriso acanhado
Pra moça passando
Pra lua brilhando
Enquanto se esquiva das pontas dos prédios

Parece que o sol desconhece os teus telhados
Parece que a gente é triste mas o que existe de belo na nossa toada
Não cabe a ele
Só à garganta que agora se espalha

O TEMPO DA LADEIRA

Desce a ladeira
Na viela dos teus fantasmas
Na falta de espaço do calçadão
Lá vai a tua idéia
Tua alma
O arrombo da tua prisão

Bebe da tua lei
Tua novena cheia de silêncio
Teu apetite por aquela estrela que quando o dia faz nublar
Você teima, teima
Teima em ver

E tem algo confuso
No abraço desesperado que oferecem a você
É
Tem algo confuso que eles sabem
Mas amém

Desce a ladeira
Na fantasia que brilha o teu olhar
Na confraria que alimenta teu peito
Lá vai a tua idéia
Tua calma
Lá vai você também

E tem algo esperto
No estilo de vida que oferecem a você
É
Tem algo esperto
Mas que é bêbado e pesado
Pra leveza que te conduz pela ladeira sem te foder

De que jeito nos vamos descer?

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

A DO MEIO

Havia a menina
A escadaria emburrada
A sala com enxaqueca
Os corredores cardíacos
Os pisos congelados
As cortinas frígidas
A gente e a casa vazia
Mas no fio de brilho
Havia a menina

A tapeçaria estressada
A copa viúva das manhãs
A louça sem maquiagem
Os terços sonolentos
Os lenços mal educados
As paredes com artrite
A varanda manguaçada
Mas no fio de brilho
Havia a menina

Na campainha rouca
Na escrivaninha corcunda
Os armários carrancudos
Os assoalhos divorciados
A gente e a casa vazia
A gente e a casa maluca
A gente e a casa que nunca
E nunca de ver que naquela brutalidade burra
Vivia uma leveza ruiva
Pois no fio do brilho
Havia a menina

39.6

Fui até lá sem saber que já era hora
De solver o granizo educado que matava a minha rosa
E tardaram teus abusados conselhos
Vi-me livre
Isso que você em mim não suporta

Dois lotados
E duas quadras
Minha roupa atirada pra fora

No túnel uns parados
Fique sempre assim que vou embora

Fui até você pra dizer que já estava fora
Do enredo da vidinha besta que se banca em tuas velhas
E foi quando troquei de espelho
Viu-me livre
O teu veneno que sorria per centos

Das estrelas do meu quarto
Aquela que não cabe lá fora
Das cores de esmalte
Essa que eu esqueço qualquer hora

No túnel uns parados
Sempre assim e vou embora

Nem saberia tão indiferente
Do presente deste Julho

Essa febre que me ausenta do lodo inoxidável
Esses tantos trinta e nove

E agora?

A DUALIDADE DELA

Vou me calar pra ver se eu pego
Paz de sanar esse tempo feio
Solta no ar
Num feriado ou boteco
Na padaria
Ou aonde eu ainda não chego
Mas te pego
Ah te pego

Cabe pra longe de mim
Vontade de falar mal daquela que enfim
Foi quem me ensinou
Que às vezes homem grande chora feito pequeno

Vou me aquietar no quintal que desenho
Deitado na sala desse apartamento
Na folha afinal
Um casal
Um almoço
Na folha e só
O pedaço de vida que choveu
E desceu pelos nossos olhos

Cabe pra longe de mim
Devaneio de guardar naquela que sim
Foi o grande amor
E desse amor foi também o seu matador

REUNIÃO COMERCIAL

E o filho fluorescente luzido do Tudo
Pergunta a si mesmo:
Será mesmo esse o mundo?
O avesso do presente primeiro?
O pedaço petrificado que pulou do peito
E foi gemer sua insônia num travesseiro profundo?

Espalham por entre a gente
Um medinho vagabundo
Fedendo comercial de automóvel

Mas daqueles que atrevem o riso
Que dividem a mesa
Que convidam os vizinhos a vigiar as estrelas
Têm cá comigo um respeito
Que só Deus entende

CARTA AOS QUE SE SENTEM SOZINHOS

O que foi e que doeu
Correu com medo por não mais ser capaz de surrar o meu olhar
O que aconteceu que mudou o mundo
E que fez daqueles que eram um apenas dois
Olho pra ti aí dentro, meu amigo
Correto comigo
Correndo comigo desde aquele tempo
Aquele dia
No exato segundo do exato choro
Quando me anunciei ao mundo
Deixa
Há sempre um tolo pra tagarelar suas mentiras
Mas há sempre o solitário que ri bem mais gostoso
Pois soube chorar tão bem um dia

NO DIA SEGUINTE

Cortina de luz no corredor
Algo na rua
Quase barulho, quase silêncio
Em algum lugar... Chaleira soprando fumaça
Sala!
Embalagem de bolacha... Água e sal!

O que passou ontem que eu não pude observar?
O que aconteceu comigo quando eu resolvi não me moldar?
Antes de procurá-la eu preciso me achar
É um adeus?

Azulejo colorido na parede
Cozinha antiga
Quase arte, quase pensada
Em algum lugar... Sotaque da minha infância...
Brincar!
Sacada do apartamento
Quintal e jardim!

Quem um dia irá chegar pra tomar um café?
Quem um dia virá sem ir embora depois?

Fará barulho aí em você
A janela do coração que se rompe
Mas tens medo do bem que eu posso te causar
Tens medo que um dia eu durma
E você não consiga mais me achar

QUASE BEM POR INTEIRO

Até parece teimosia minha
Soltar os olhos pela rua feito pipas no céu
Andar na contra-mão enquanto a íris manca se assombra comigo
Ter no estreito e no largo um amigo e um infiel
Dormir quando já amanheceu
Mas o sol? Ninguém fica por perto pra ver...

Até parece fraqueza minha
Querer ter uma casa no teu coração?

Sou apenas o que não sei te dizer
Esse que sinto

Até parece teimosia minha
Ler nos olhos de quem se cala num canto
Voar por entre as bocas que tentam mastigar o bem que guardo
Ver que há um dia pra rir entre os outros tantos

SACANAGEM

Olho aberto... Apertado
Dentes nos lábios e lábios dados
São dois braços ou são quatro?
São dois bilhões de poros... atentos
Um lado de um planeta virado, feito de dois
E agora...
Apenas um se debatendo
Pra ocupar neste planeta cada vez mais espaço
E mesmo assim
Um universo que cabe num metro quadrado

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

TARDE CHUVOSA

Desmancho no vento da rua
No ar prisioneiro dos corredores do prédio
No tempo que deixo solto
Nunca tenho mesmo relógio no bolso
Ou no peito

Parece que chove velado
Um silêncio
Não choro nem dou risada
Me acalmo inventando uns amigos na sala
Ninguém

Desmonto no vento da rua
Na nuvem pesada que o jardim bebe
Na cuca que deixo solta
Não tenho mesmo muito jeito pra pesar qualquer bobagem

Parece que chove sagrado
Esse silêncio
Não corro nem paro na vida
Me encanto sabendo de um sol que vem

MERCADO

Sei
Foi-se enfim
Tanto nada esbanjado em oito horas
Tanto nada nessa história de vender-me aqui

Sei
Eis me assim
Todo morto embotado de chorar o sol
Todo morto desconfortável neste terno azul

Diz-me o que há de alegria nos teus dias
Em teus papéis?
Em tua ausência para com aquela?
Finda tua janela de maravilhas que acabou a tinta

Diz-me qualquer uma das tuas mentiras
Hoje eu deixo a mesa
A cadeira
A caneca de café com uma gravura esquisita

Sou o que nasce em mim quando acordo
Que envelhece quando ando
E que morre feliz quando eu vou dormir
Sou ateu do teu culto de não saber de mim

PONTO

Nem pense nisso
Nem será agora
Nem será nalgum dia
Nessa vida
E talvez
Na eternidade um nada

Então se manda da minha idéia
Das teias
Dos cantos
Do escuro
Do barulho da chuva
No calabouço do meu peito não há lugar pra te prender
Nem pense que vou te guardar atento
Nem carinho
Nem desdenho
Nem amor ou ódio
Quem sabe no meio de um sereno
Numa madrugada uma faísca de pensamente
E ponto

JESUS E O PÉ DE FEIJÃO

Escapo no vão
Entre tua pressa exacerbada
E a topologia da tua face
Entre tua política avacalhada
E os teus miseráveis
E mais
Hoje não, tá?

Tua fala
Apertada
Trincada da glória besta
Cuspida em azul de tela plana
Nas folhas curtas de idéia da tua revista
No teu vendido jornal

Não se sinta em casa nesse sagrado chão
Não se ache popular
Nem tão pouco diretor da razão
Nunca deixei você morar no meu coração
Nunca ferrei o outro pra tornar-me teu irmão

Escapo no vão
Entre tua clara corrupção
E teu futebol meia boca
Entre tua passarela abobalhada
E a calçada do cidadão
E mais
Hoje não, tá?

Tua cara
Esticada
Truculenta de botox da estação
Sempre espantada
Rindo ou chorando
Sempre espantada

Nunca do teu tudo ou nada
Do teu amanheceu e corra
Do teu traia ou morra
Do teu milhão ou lixo
Do teu ou derrota ou isso
Disso
Disso tudo que te faz assim tão pequenino e triste

PRIMEIRA MANHÃ

Hoje a rua estava linda
Mesmo tão quieta
Mesmo sem gente
Restos da festa a descansar
Da noite que eu nem vi passar
Mesmo sem dança
Sem fantasia
Sem a marchinha que faz minha alma pular
Mesmo tão rua
Rua, rua, rua, rua
Nua da beleza que quando me ponho quieto vem me buscar

Ontem você foi minha
Você foi livre
Você trouxe e depois levou o riso da minha cara

Manhã
A saudade ficou tão mais bonita
Que dói no peito uma dor de sorrir e sonhar

Até quarta-feira é você
Ou tanto faz

TEU COMPARSA

E de me cercar nesse tempo dessa gente atolada em medo
Quase fui parar do lado de fora...
Do hospício florido que tenho aqui dentro...

Tem algo errado com esse teu sufoco...
Teu tempo é vivo, mas truncado e aflito... é feito morto.

E de me cercar nesse tempo dessa gente enforcada em ternos
Quase fui chorar lá depois do meu peito...
Da saudade que senti de mim mesmo...

Tem algo a mais no dia quando a gente acorda...
Deus fez a cidade, mas a rua é a gente que escolhe.


Olha lá... deixe estar que esse medo é pouco.
Há um conto de florir que já é a sua vida.
Há uma estirpe brilhante e limpa em tuas veias...
Há um comparsa que te derruba os muros... teu sorriso.
Isso!

QUE DIA!

Amanhã vou ficar mais bonito
Ganhando a rua
Desbotado da luz do abajur desse lugar.

Como é vã a conversa do cafezinho
O terninho engomado
O cumprimento educado em silêncio.

Jogo agora o lenço de gritar o que guardo
O veneno do prazo sem prazo
O cliente azedo obtuso.

Papai Noel dos sem assunto
Papa da cruz sem sacrifício
Ofício bobo de amar o ouro se lá fora há tanta gente no mundo.

Olha longe o teu peito voando
Fez as malas e foi-se do seu corpo
Esse louco no espelho
Teu sufoco
Teu socorro em mais e mais e mais e mais!

Senhor!

Amanhã vou ficar mais bonito
Ganhando a vida
Desabrochado de um riso fora da regra.


Minerva só se for antes da guerra...

Amanhã vou rabiscar um amor além dessa janela.