segunda-feira, 18 de julho de 2011

PASSOU

Passou
E foi você quem apagou a luz primeiro
Quem fechou a janela
Quem esvaziou teu lado do armário
Quem soprou a chama da vela

Quem esfriou a cama onde a gente dormia
Soltou os cachorros em mim
Pra ver o quanto tua recusa me doía

Passou
E foi você quem cuspiu no meu nome
Quem botou na ponta do lápis
Quem fez meu olhar passar fome
Quem rasgou o poema que eu fiz

Quem listou os meus defeitos tão bem
Comprou um bilhete só de ida
E botou minha alegria num trem

Quem se pintou de fevereiro
Quem disse “me esquece e some”
E fui guardar o teu nome na chama do meu isqueiro

Agora não entendo direito
Não entendo teu jeito tão atencioso assim

Segui por aí pelo mundo
Me tornei um vagabundo
Figura de botequim

E agora que meu peito tá quieto
Vem assim tão sem jeito
Dizer que sente saudades de mim
...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A CASA

Agora me debruço sobre isso que não entendo mas que me pertence
Esse tempo onde as flores movem seus pescoços procurando seu senhor
Esse templo onde as crianças correm enquanto dormem longe de seus monstros

No abandono das coisas
No telhado do corpo
Onde então a alma nos toma de nossa própria ignorância
Onde não nos machucam os mesquinhos olhos

A casa onde me abandono do meu pior
A pílula da boa ventura
A febre de um amor onde eu amanheço

E não se engane
Não tenho casa em bairro algum
Minha moradia é a brecha que descuidas nesse teu coração

Agora me livro da roupa de que se valem a canalha do salão
Essa luz que me mastiga sem que me tenha dor nem traição
Essa estrada que se estende para além do que conhece tua tosca imaginação

Na torre das ideias
Na lembrança dócil
Onde os fantasmas descansam ao som da nossa ressonância
Onde não nos alcançam as agudas mãos

O fim de tarde onde te descubro linda
O olhar que não se finge
O sexo do amor do qual me abasteço

E não se engane
Não pretendo contar o teu dinheiro
Guardo apenas o gemido dos teus gozos

terça-feira, 12 de julho de 2011

TROCA

Vendo minha vida por uma moeda pra quem puder pagar
Essa que é só minha de sentir
E tão boa pra essa gente bêbada cantar

Deixo tua tarde com o céu lilas
Cubro de ouro teu santo de barro
Calo as buzinas da Vinte e Três
Erguendo o vidro elétrico do teu carro

Pra que tudo seja lindo
Pra que tudo seja certo
Onde de tão verdadeiro meu amor eu findo
Onde enfim eu da tua vida parto

Vendo minha vida por uma moeda pra quem puder pagar
Essa que me guarda os olhos
E que me leva lá longe quando vou me deitar

Deixo teu corpo bem vestido
Tua paz em negrito num cardápio
Teu pescoço enfeitado
Escondo atrás da tua orelha todo o teu ópio

Deixo luzir a prataria da tua festa
Retoco o verniz do teu sorriso
Digo a eles quanto é que custa
O moroso brilho do teu piso

Pra que tudo seja belo
Pra que tudo seja fino
Onde de tão leve eu fujo do teu castelo
Onde eu sou aquele velho menino

Vendo minha vida por uma moeda pra quem puder pagar
Essa mesma moeda que entrego
E que ninguém sabe guardar

sábado, 9 de julho de 2011

MINHA MENINA DE CICUTA

Tem medo não que eu prometo não saber
Prometo não dizer uma verdade
Não tentar desvendar a idade do beijo que a gente libertou

Tem medo não que eu juro não contar
Juro não sonhar o que penso acordado
Não mostrar-me cativado com a língua que teus olhos falam

Na Santo Amaro os botecos bocejavam
As luzes se apagavam e eu nem era mais uma criatura humana
Era um monstro que enterrava os dentes nas tuas ideias
Devorava a tua respiração

Tem medo não que eu prometo não sorrir
Prometo pensar
Negar e negar
E negar
E botar minha vontade sacana pra dormir

Onde eu existia enquanto você sonhava?
Onde foi parar o mundo enquanto a gente se pegava?

quarta-feira, 6 de julho de 2011

ESPIADA

As bobagens despencam do céu
E a noite já nem mais é tua
Teu coração despido do véu
Tua feiura toda nua

Esfarelam sem apresso algum
As razões que você usou
Chovem sobre esse morto quintal
Onde eu arranco as pedras que aquela dor plantou

Que pena o medo teu
Que pena
Fiz uma novena e você nem notou
Levei teu coração pelo mundo
E só hoje você se tocou

Que pena
A verdade é o fundo do espelho que evitas exasperada
Um dia desses você há de dar uma espiada