terça-feira, 31 de março de 2009

CARTÃO POSTAL


Pra onde vai que se afasta tanto?
Essa gente espanta em olhar
Essa gente observa pela fresta de verdade
Diz

_É que já vai chover e a gente não quer se molhar

Eu sei, eu sei
Nem é a primeira vez
Nem é a última
Nem é desta vez
Será que eu ligo mesmo quando será?

Pra onde vai que flutua tanto?
Essa gente estampa o medo
Essa gente amarra os pés à calçada do bairro
Diz

_É que já vai chover e a gente não sabe despencar

Eu sei, eu sei
Nem é a primeira vez
Nem é a sua
É a minha vez
Olha lá como eu caio do céu bem devagar

Olha como dói tão devagar
Feito um veneno que tenho que tossir aos poucos
Até sair tudo

Pra onde vai que se afasta tanto?
Essa gente cala pra esperar
Essa gente nem tem pernas pra chegar
Diz

_É que já vai chover e a gente não quer incomodar

Eu sei, eu sei

Essa gente espera
Diz
_Mande um postal de lá! Mande um postal de lá!
_A gente quer saber como é se molhar

segunda-feira, 30 de março de 2009

SALTO ALTO


Posso até ser estranho à tua comportada apatia
Uma chuva e a tua sala
A solidão esfarelada e úmida da qual tenta se proteger
Mas é onde estou

Posso até passar por desafortunado para você
A lua e teu secreto quintal
Onde fui eu quem te ensinou a passear
Pra chorar às vezes algo bom

E quando a música quebrar
Quando a música quebrar o teu salto alto
É que estou por aí
E você quer saber

Posso até passar por um melancólico sem razão
Uma noite e a tua casa
A solidão cheia de fome batendo à sua porta
Pra onde você vai correr?

E quando a música tirar
Quando a música tirar o teu salto alto
É que estou por aí
E você quer saber de mim

Uma chuva
Tua casa
A lua e teu secreto quintal
Esta noite e a tua casa

Pra onde nós vamos correr?

Então até parece que eu esqueci você
Uma manhã e o teu rosto
O tempo doído em fila depois da pílula anestésica
Mas a música está aqui
E é onde estou

quinta-feira, 26 de março de 2009

O MERCADO DO AMOR

Isso é cruel
As regras
A lista de deveres
As mentiras que temos de ter anotadas
Pois qualquer sentimento verdadeiro pode apagá-las
Revelar a sua natureza vazia
Seu gosto de isopor

Qual é o termômetro do seu coração?
Sexo
Comodidade ou outra ilusão?

Isso é cruel
As metas
A lida sem paixão
A vaidade que compramos no plano da televisão

Qual é o preço do seu coração?
O vestido
O anel e outra ilusão?

Como então eu fico com o teu coração
Se em troca eu só posso te dar o meu?

segunda-feira, 23 de março de 2009

MEU CONFORTO

Que venham as pedradas
Famintas pelo meu peito
Com precisão milimétrica
Mas com a incerteza de quem eu sou
Explodirão em minha pele cheias de medo
Que me acertem
Uma após a outra
Brilhará a vertente de lágrimas no meu rosto
Mas como sol depois da tempestade absurda
Surgirá meu sorriso
Feito um abraço fraterno no horizonte do mundo
Um reflexo do meu coração

É nele onde mora o meu conforto

quarta-feira, 18 de março de 2009

NÃO ME AME


Guarde o conselho que agora eu vou te dar
Não me ame nem pense em me amar

Eu não valho a pena
Eu não valho o dilema de comigo se ocupar
E ver desmoronar a plástica verdade das cortinas de seda
Ver morrer o sentido do mármore na varanda da casa
A inutilidade dos vastos quartos
Das caras salas vazias
Da prataria lacrada
Da fonte onde ninguém se esbalda
Pois o que te cerca é o que pra mim te torna menor
E menor
Do que a verdadeira imensidão do que é o amor

Guarde a palavra que agora tenho que usar
Não me ame nem tente me amar

Eu não valho isso
Eu não valho a contramão do que acreditas
E o saber que a qualidade da etiqueta é ouro de tolo
Saber da também tolice no mais puro tostão de outro
Da imundice moral do restaurante caro
Dos canalhas bem vestidos
Do jornal mentiroso
Da tristeza travestida de riso na fotografia
Pois o que colecionas é pra mim o que te faz miúda
E miúda
Frente à verdadeira generosidade do que é o amor

Guarde a verdade que agora tenho que usar
Não me ame nem diga me amar
O amor não é isso no seu bolso que você tenta me dar

A LUZ DO TEU QUARTO

A tua distância não merece meu crédito
É um atalho
Um refúgio na poltrona da vida mofada
A tolerável monotonia

Eu peguei um resfriado
Eu passeei pelo bairro enquanto chovia
A rua estava vazia
E dentro de mim
Você se recolhia às suas frases cromadas

A tua distância não merece meu crédito
É um atalho
É um bilhete perdido no armário
A covarde monotonia

Aí onde você está
Nem calor
Nem frio no estômago
Nem o corpo a tremular frente ao tato do outro

Aí onde você está
A luz do teu quarto tem hora marcada pra se apagar