sábado, 12 de novembro de 2011

QUANTO

Quanto tempo
Eu hoje quase quis perguntar
Você diluída no mundo
Eu nem sei onde te imaginar

Morro teimoso
É meu defeito achar direito meu coração nunca te enterrar

Voo sem jeito
Desengonçado
Sempre bem quieto
Vou te esquecendo de leve e com cuidado
Vou te esquecendo sem pressa
Teu corpo é só um retrato
Teu corpo é só um retrato

Quanto tempo
Eu hoje fui me tocar
Você pulverizada no mundo
Em que universo você foi morar?

Acordo teimoso
É meu consolo inventar um nome pro filho que eu ia te dar

Caio sem jeito
Espatifado
Sempre bem quieto
Vou te esquecendo de leve e com cuidado
Hoje já é tarde
Meu sono é zoado
Meu sono é zoado

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

POETAS NÃO VALEM NADA

Poetas não valem nada
Não acordam na hora certa
Não dormem durante a madrugada
Não sabem se comportar na ocasião exata

Falam o que pensam
São solitariamente mimados
Os anos não lhes pesam
Possuem corações desorbitados

Detestam relógios
Sonham com a mágica do acaso
Amam pra perder
Perdem pra saber se foi amor ou tempo jogado

Poetas não valem nada
Bebem demais
Habitam a sombra dos bares
O silêncio de suas ex-mulheres

Contam suas piadas alcoólicas
Rezam numa língua secreta
Dormem farrapos pela rua
Desnorteiam a séria vizinhança

São sonoros enquanto o bairro dorme
São quietos enquanto a engrenagem range
Sempre aqui e distantes
Sempre aqui e distantes

Poetas não valem nada
Não há como trancá-los dentro de casa
Não há como pôr suas almas na linha
Não há como domá-los

São precisos no que olham
São desagradáveis no que notam
E mesmo assim tão abomináveis
Algo em você adora não evitá-los

Poetas são corações acessos
E corações assim não se guardam numa gaiola

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

ACABO

Esvazio o que é agora este lugar
Desmonto as paredes desta casa
Desmonto os edifícios
As ruas e viadutos

Apago os postes da rua
Calo o semáforo
Arranco toda a cidade da epiderme do mundo

Esvazio quem eu sou neste lugar
Desmonto o corpo pelo ar
Desmonto as células
Átomo por átomo

Apago meus olhos
Acabo com calma
Arranco todo o medo da epiderme desta alma

E assim já fui tão longe só pra te encontrar
Tão longe só pra que te lembres de escrever o meu nome
No teu livro dos filhos que você ainda há de perdoar

Esvazio o que é agora meu amor
Esqueço suas vaidades
Esqueço suas vontades primitivas
Sua ditadura

Apago as palavras lançadas
Esqueço os poemas
Esqueço que um dia haviam as canções

E assim já fui tão longe e miúde só pra te encontrar
Tão longe só pra que te lembres de escrever o meu nome
No teu livro dos erros que tivestes o verdadeiro amor pra errar

domingo, 30 de outubro de 2011

CAL

Nem vê nada agora
Nem se arruma num sofá
Nem esconde o corpo dentro da roupa
Nem almoça e nem sente fome
Nem mente
Nem sangra ou solta uma gargalhada
Nem dança
Nem machuca
Nem trepa e nem separa
Nem chora
Nem nada
Nem engana isso que existe antes de tudo aqui ter um nome

Eu, antes afogado de tudo
Desafogo qualquer mágoa estando agora guardado dentro de mim
E nessa monção fresca que lambe a cidade
Onde assentam seus barulhos depois da chuva
Voam comigo meus mais sinceros absurdos

A cal da casa da esquina que nunca foi terminada
A paz de não saber de nada
O trem feito uma linha no horizonte que às duas me chamava
Passava, passava
Eu tinha a escola na manhã seguinte
Tinha que desaprender da gente que sou
Que nasci
E que me culpam por eu ser
Humano e errado
Vergonhosamente feliz e livre
Desorientado num coração sempre com fome de tudo
Daqui e dali
E de você... Sempre.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

NO PONTO

Não, não é fácil assim
Não te concedo meu tempo pra que diga tuas bobagens
Não permito que encha os meus ouvidos com as tuas ladainhas

Ali, bem na vila da minha alma
Teu caráter obscuro se derrete no sol das minhas tardes
Teu sotaque chique se enrola na canção do meu sorriso
Onde minha boca percebe tantas outras mais doces que a tua
Moleca burra.

Não, não é fácil assim
Não te arrasto pelo tempo como um fantasma medonho
Não cultivo o descaso que você ministrou no meu peito faminto

É tarde
É domingo
E no ponto como eu gosto
Um café enquanto eu vigio a cidade
Um café sem nenhuma pitada da tua saudade

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

SÓ UM TOMBO (?)

Da minha janela eu vejo você
Meu olho vai aonde você não quer
Furo tuas brumas
Ando tuas ruas
Vejo tua lua nascer e morrer

Picho teu muros
Bebo em teus bares
Habito os motéis da tua saudade

Da minha janela eu vejo você
Teu peito é o livro que eu gosto de ler
Rasuro tuas frases
Arranco tuas folhas
Conto tua história

Beto, cala a boca

E desse jeito, meu bem
Quem de nós é assim tão liberto de tudo?
Quem de nós foi capaz te tocar fogo no mundo que a gente viveu?

Você foi por aí mas nem esqueceu
Dos tombos da tua vida
O melhor fui eu

ABANDONO (SIM)

Olhei você ali na estante
Teu olhar distante da lente
Teu olhar confiante de despir o mundo

Por que é assim tão fundo?
Por que é assim tão fundo?
Onde guardas o sol do fundo de mim?

Não pense assim
Nisso que um dia poderia acontecer
Você é só você e nem pode ver
Que já aconteceu
Sem a tua lógica querer
Sem tua bomba tola explodir meus sonhos

Saudade vai
Saudade sim
Ai de mim se eu fosse tão pequeno
Que não pudesse chorar o teu abandono

domingo, 16 de outubro de 2011

ANTES DA HORA

Queria tanto
Você nem faz ideia
Você nem fez questão de olhar pra baixo quando jogou no lixo o meu coração
Queria tanto
A rua secando depois de uma chuva leve
Batucada
Chinelo na mão
O tamanho exato de uma pequena multidão sonhando o dia inteiro
Queria tanto
Como se fosse o meu fevereiro
Como se fosse o meu fevereiro

Queria tanto
Você nem tem noção
Você nem teve mão pra segurar minha alma quando ela se perdia leve
Queria tanto
A marcha alegre que juízo algum constrange
Fantasia
Rabo de Galo
O sorriso exato pra que se lembre de mim o ano inteiro
Como o meu sorriso de fevereiro
Como o meu sorriso de fevereiro

Tanta canção
Tanta história
Já foi embora
Soltaste minha mão antes da hora

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

COISA ALGUMA

Acorda
Como a criança antes da escola
Como o boêmio depois da noitada
Como a praia depois da ressaca
Como o pai depois do velório
Como o solitário frente a multidão

Acorda
Como a pólvora após a fagulha
Como a saudade frente a lua
Como a cachaça na manhã seguinte

Como uma revolução numa cidade fantasma
Como um fantasma sem cidade alguma

Nunca mais?
Quando começa o refrão da tua preferida canção
Quando você tem que ficar mais um tempo
Recolhido dentro do seu coração

Atravessa
Como o carro que buzina no túnel
Como o pedestre na contra-mão
Como o pandeiro fora do tempo
Como o silêncio num aniversário
Como o adeus antes do olá

Como a nudez atrás de uma porta
Como a porta que não protege coisa alguma

terça-feira, 11 de outubro de 2011

PRA VOCÊ

Pode ir por aí
Eu te liberto de mim
Eu te recebo assim e te devolvo todo esborrachado
Com a beleza que ninguém dá conta
Com o olhar deliciosamente machucado de perfurar esses tantos muros

Pode ir por aí
Eu te arranco de mim
Eu te arremesso sem fim até onde ninguém te alcança
Até onde nem é homem nem é criança
Até onde nenhum amor daqui conseguiu acompanhar o teu coração

Nem importa a cor do céu naquela hora
A canção que tocava num boteco de esquina
Setenta e três eu te lancei pra vida
Aos sussurros nas orações de Orlando

Nem estou ainda bêbado do mundo
Nem estou bobo e cantando
Nem te peço que queime tua alma no meu solitário encanto
Nem quero que me perdoe por tudo

Pois eu faria tudo de novo e pior aos olhos desses que me caçam
Eu alimentaria esse bando de assustados
Eu mataria a fome desses coitados
Com o meu peito louco e vagabundo

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

SONHO LÚCIDO

Onde me encontro completo
Onde o receio não tem livre acesso
Deito o corpo de minha alma sob o Sol e sob o meu próprio inverno
Nem mais faminto de algum abrigo
Nem mais puto com esse mundo
Nem mais saudoso daquilo que jamais foi vivo

Perdoei o meu peito maravilhosamente bagunçado e confuso
Perdoei o amor como eu o sinto
Cantei de novo as vozes do sino que as mãos fortes de meu avô domavam
Enquanto os olhares do bairro se quebravam em pequenos pedaços
Que o vento sussurrava pra dentro dos meus olhos

Onde começa a nossa sociável mentira?
Eu a termino bem aqui comigo
Hoje
Agora acordei

sábado, 1 de outubro de 2011

SUMI

Qual tristeza enfim
Você com tanto cuidado guardou pra mim?
Eu bem que posso te dar esse agrado
Mas eu já te dei muitas noites dos meus olhos nublados
Do meu choro calado
Já deixei você roubar demais o meu sono
Teu fantasma não me assombra mais

Qual vingança então
Você cozinhou pra mim dentro do teu coração?
Eu bem que quero te ver mais feliz
Mas dos absurdos que você me diz eu guardo adeus
Não volta aqui
Quero que esqueça o contorno do meu rosto

Fiz teu gosto
Fiz teu gosto
Sumi

terça-feira, 27 de setembro de 2011

ORFANATO



Pra onde vai você agora que eu já beijei a tua lona?
Já me despi de toda essa zona que a tua escola me cobrou
Já me perdi da mão gelada e dura que esse tempo só me apertou


Sabe o que eu sou
Sabe onde eu estou
E onde eu não estou é o que mais te incomoda
Eu não giro em tua roda de moer corações
Eu sou assim, o vagabundo que o teu mundo não devorou


Pra onde vai você agora que eu já parti do teu juízo
Já me vali de toda a santa tempestade que me molhou
Já me vi intacto feito que o meu pranto sempre rolou sem culpa


Desculpa minha alegria
Desculpa, eu sou enfim
Uma criança mal educada no teu orfanato chinfrim
Uma criança que zomba do teu venenoso jardim


Eu brinco em frente aos teus monstros
Eu danço a minha lama


Se acalma e não me chama
Eu perdoo a tua falta de asas

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

TANTO ASSIM

Quando me aponta o dedo
Quando me soca a cara
Quando ri do meu som tosco
Quando me esquece lá fora

Quando me toma por tolo
Quando meu corpo ignoras
Quando me solta teus cachorros
Quando nunca me acolhe

Quando me mastiga sem dó
Quando me cospe no chão
Quando mata meu sonho calmo
Quando calma me ignoras

Quando me rouba o sono
Quando me beija sem tesão
Quando rasga meus poemas
Quando põe fogo no meu violão

Quando você foi embora
Quando você foi embota
E quando for embora
Não se atrevas a ir antes de mim

Deita rígida e inóspita de qualquer tranquilidade
Engole tanto peso com teus olhos endurecidos da tua secreta saudade
Sim, és covarde
Mas eu te carrego leve por todo esse meu tempo
Limpo tua consciência dos entulhos das tuas certezas bombardeadas
Não terás o meu tapa em retorno
Terás no meu peito a tua casa

Eu teria em minha lápide não o meu nome por fim:
Apenas aquele que amou Fulana tanto assim.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

SEM PACIÊNCIA

Quase noite de mim já
Eles assim amontoados com os punhos fechados
Os donos de tudo que amanhã nem existe mais
As faces com a mesma incerteza
Os corações murchos
O cadeado das desculpas confortáveis
O medo de ser gente que está em moda
A alma trancada
Onde sou um ladrão a desfrutar do frio desse cofre

Sou um vadio na boca dessas futilidades

Quase noite de mim já
Alguém assim sem jeito como dizem as marionetes
As folhas doentes que o jornal podre tosse
A multidão de crentes que pequeninamente se envaidece

Uma salva à sala das copas lustradas
A vida como um esporte
O sexo como um esporte
A família como um esporte
A informação como um esporte
O amor como um esporte

Seria uma lápide dourada o prêmio pra tanta falta de humanidade?
Seria a fortuna tão leve de se levar pra lá?
Lá... logo lá.

Eu me despeço
Meu pranto e meu riso
Quando sou tragédia
Quando sou piada

Sem paciência pra quem nunca diz realmente nada
E já é quase noite de mim

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

COMO FICA?

Doutor me falou de uma pílula porreta
Que faz até Deus tirar soneca com a Vinte e Três lotada

Eu bem que penso em me valer dessa pequena
Visto que toda a gente me aponta o dedo: Esse aí se acabou na madrugada!

Mas se eu durmo como fica todo o resto?
As estrelas e os botecos
A morena e os olhos ávidos
O coro dos bêbados irresistíveis
As piadas alcoólicas
As risadas sem sentido e tão vivas

O abraço cambaleante dos amigos
As paixões de uma noite
A noite tão comprida
A garoa e a minha saudade?
O coração pelado pelos ares

Como fica a possibilidade de que o meu amor venha me buscar?
Com cara de poucos amigos
Mulher de frases ardidas
Puta comigo
E doida pra me tirar dos braços do mundo onde eu existo
Como fica?

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

NOS SEGUNDOS


Rasgo o meu céu
O esbarro, o estrondo e a febre
Os meus anjos desandam a despencar por aí

O monstro e réu
A canalha, a mentira e o martelo
A minha alma sorrindo a morrer livre assim

Quando enfim num descuido
Teu juízo desprovido de balas
Casamata do teu peito escancarada pra mim
Não serei um ladrão dos teus sentidos
Serei teu cão de guarda
Vigia disso que eu acho tão bonito

Rasgo a cartilha
A vingança, a desculpa e a mágoa
Essas coisas que eu afogo em minha lata de lixo

Um bicho do mundo
A insônia, o silêncio e o descaso
A minha voz sem vergonha trepando nos teus ouvidos

Quando assim num cochilo
Tua desculpa sem chão
Muralha do teu desejo de pernas abertas pra mim
Não seria um cigarro precoce de fogo
Serei teu puto escravo
Até que me encontre nos segundos onde o mundo se perde da nossa vista
Logo ali, logo ali

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

VOLTE SEMPRE

Já que tá sempre certa
Já que é tão madura
Tão dona de toda razão
Tão correta e dura

Já que tá com essa cara de viola sem lua
Eu abro hoje uma exceção

Pra você, que coisa bela
Já fui um anjo
Já fui o tolo
O traste maior
O vagabundo que não tem jeito
Já fui o filho da puta
Já fui o dono das tuas ancas
E depois aquele que não merecia dormir na tua cama

Já que tá sempre reta
Já que é tão segura
Tão bela e profunda
Tão gostosa e pura

Já que tá com essa cara de puta da vida
Eu abro hoje o meu coração

Pra você, que coisa linda
Já fui bom partido
Já fui sujidade
Um louco absurdo
Um bêbado que não faz falta no mundo
Já fui o amigo odioso
Já fui o dono do teu gozo
E agora sou todo solto...
Volte sempre
Até logo!

domingo, 28 de agosto de 2011

BALADA DE UM SONO TORTO


Entende de uma vez
Isso não depende de você
Meu primeiro olá já tinha gosto de adeus
Os sonhos meus eu nunca te dei
Entende

O caminho que sou eu
O espinho que sou eu
Você não tem como querer
Você não tem como cuidar
Você não pode me curar
Das folhas de papel onde meu coração foi se esparramar
Antes de agora
Antes de amanhã

Não chora
Eu fico
É só a minha alma que já vai embora
Entende

Entende de uma vez
Não tenho como levar você
Teu passo não pisa a minha estrada
Meus fantasmas não habitam a tua casa
Entende

O barulho que sou eu
A saudade que sou eu
Você não tem que sentir
Você não tem que se danar
Você não pode me curar
Das noites escorridas com gosto de sal
Depois do começo
Depois do final

Não chora
Eu fico até você dormir
Até você acordar de dentro do meu coração sem juízo
Entende

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A ROSA QUE NÃO DEU SAMBA

Lá vou eu explicar o que te fere então
Olha bem, não tenho mais coração
Foi comido
Devorado por aí
Você bem sabe que hoje eu vivo sempre ali
Onde o teu perdão não consegue me seguir

Lá vou eu confessar o que não sabes não
Olha bem, eu gastei todo o meu coração
Joguei na sorte
Não fiz economia
Você nem sabe como quis dá-lo a você um dia
Mas só ressentimento era o troco que eu recebia

Claro que sim
Eu gostaria de te perder de mim
Beber da cachaça a alegria e não a escures da noite
Girar na rua e não dobrar ao açoite
Desta sombra que só diz: não estou... não estou.

Agora sim
Já estão acessos os dedos da lua
Eu já me ergo onde a minha alma não é mais tua
Eu sou o tempo que te abandona.
Tão nova e já toda murcha
Tão nova e já toda murcha

QUEM?


Você termina o dia olhando através de uma janela
Teu corpo feito um trem antigo que só queima carvão
Você distribui adeus e um sorriso engessado pela sala
Aperta os olhos quando finalmente o elevador alcança o saguão

Você caminha ereto sendo sempre tão seguro
Mostra a sua pressa pra ficar em dia com a multidão
Ignora as besteiras de amor pichadas num muro
Tem numa planilha todos os números do teu calculado coração

Você lê seu jornal com a mesma exatidão nos olhos
Atenta às oportunidades que lhe trarão o teu milhão
Sabe tudo e sabe que é melhor que esses sujos fedelhos
Investe nuns papeis do mercado toda tua educada escravidão

Ah, mas disso que à noite te caça você não sabe não
Disso que à noite te caça você não tem noção

Você não começa sua manhã apertado numa Van
Respira a fumaça numa tabacaria com gente bacana
Debate política social bebendo um Cheval Blanc
Existe postado sempre acima de qualquer atitude sacana

Você segura a taça conforme as normas da etiqueta
Cospe desaforos com teu articulado vocabulário
Sente nojo da humanidade esparramada na sarjeta
Comemora fevereiro como alguém que atravessa um cemitério

Ah, mas disso que à noite te caça você não sabe não
Disso que à noite te caça você não tem noção

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

MENINA DE FEVEREIRO


Se perde boba e aguda dentro da clareza do meu coração
A mesma fala intacta de qualquer verdade
A mesma miséria no olhar cheio de contradição

Se perde solta e livre dentro da bagunça do meu coração
A mesma que corria o leito do sonho daqui
A mesma que havia antes de haver o chão

O que me dói então?
Se sabes tudo diz o que me dói então?
Se és a dona do mundo por que vive presa no fundo da tua própria solidão?

Passeio pelas tuas veias o dia inteiro
Passeio pelas tuas amarguras
Passeio pelas minhas alturas
Por que gosta tanto de me machucar, menina de fevereiro?
Minha doida de fevereiro

Se acha quieta e chorosa quando no sono te abraço enfim
A mesma mistura de violência e ternura
A mesma fundura onde tua alma se joga sobre mim

Se acha engraçada e úmida quando me acha no teu tesão
Teu medo é meu corpo do outro lado da rua
Teu receio é que eu possa ver na tua escuridão

O que me rói então?
Se sabes tudo diz o que rói o meu coração?
Se és a mulher que me procura então me tira do lodo da tua falta de perdão

Passeio pela tua nuca o dia inteiro
Passeio por debaixo da tua vergonha
Passeio pelas vontades da tua manha
Por que gosta tanto de me evitar, menina de fevereiro?
Minha doida de fevereiro

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

SEMPRE VOCÊ


Deixa eu ir então
Olha a lua e o céu
Olha meu coração
Só no meu canto eu posso ser teu

Deixa eu sumir
Tenho que chorar
Tenho que medir
A distância do meu próprio olhar

Olha a noite viva
Olha o corpo solto
Olha o copo leve
Olha a minha mão

Olha a minha mão
Deixa minha mão

A veia toda turva
A hora toda quieta
A música absurda
A flor toda aberta

Dos erros a tua demora
Dos pecados essa distância
Do resto eu vou embora
Do resto estou lá fora

Deixa eu fugir de ti
Deixa eu fugir de mim
Não é fácil assim que eu vou te esquecer
Você é sempre você

terça-feira, 9 de agosto de 2011

ANTIGO CORAÇÃO


Ontem eu te vi e não era você
Quis sorrir mas não soube entender
Que no fim da tua vaidade tão mesquinha
Você era ainda mais minha
Quanto mais minha tentava não ser

Ontem eu te vi e não era você
Toda cheia de si sem poder esconder
Que tanta alegria era feito um carnaval
Que queima até de manhã
Pra apagar quando chega o sol

Finge mais pouco
Me pega no ato
Vê se me deixa louco
Cospe no meu prato

Eu choro essa dor um pouco mais
Eu sigo a tua versão
Só não devolvo depois
O teu antigo coração

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

PACIÊNCIA 2011

Onde se esconde então?
Longe da fumaça dos carros pela manhã
Longe das besteiras ditas à mesa do café
Pois é
Dizia ser vã a minha vontade de perder o chão
A minha doença de fazer luz da tua escura solidão

Sabes tudo dessas coisinhas com tempo finito
Sabes tudo de coisa alguma
Onde mal se arruma dentro da roupa de fingir-se inteiro
Vejo bem o boeiro da tua alma
O canteiro das tuas rosas murchas
Os teus pedaços que escorrem do teu juízo

Não podes me alcançar
Não podes tocar-me no ponto onde eu existo

Paciência!
Um dia desses ainda te faço um carinho

segunda-feira, 18 de julho de 2011

PASSOU

Passou
E foi você quem apagou a luz primeiro
Quem fechou a janela
Quem esvaziou teu lado do armário
Quem soprou a chama da vela

Quem esfriou a cama onde a gente dormia
Soltou os cachorros em mim
Pra ver o quanto tua recusa me doía

Passou
E foi você quem cuspiu no meu nome
Quem botou na ponta do lápis
Quem fez meu olhar passar fome
Quem rasgou o poema que eu fiz

Quem listou os meus defeitos tão bem
Comprou um bilhete só de ida
E botou minha alegria num trem

Quem se pintou de fevereiro
Quem disse “me esquece e some”
E fui guardar o teu nome na chama do meu isqueiro

Agora não entendo direito
Não entendo teu jeito tão atencioso assim

Segui por aí pelo mundo
Me tornei um vagabundo
Figura de botequim

E agora que meu peito tá quieto
Vem assim tão sem jeito
Dizer que sente saudades de mim
...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A CASA

Agora me debruço sobre isso que não entendo mas que me pertence
Esse tempo onde as flores movem seus pescoços procurando seu senhor
Esse templo onde as crianças correm enquanto dormem longe de seus monstros

No abandono das coisas
No telhado do corpo
Onde então a alma nos toma de nossa própria ignorância
Onde não nos machucam os mesquinhos olhos

A casa onde me abandono do meu pior
A pílula da boa ventura
A febre de um amor onde eu amanheço

E não se engane
Não tenho casa em bairro algum
Minha moradia é a brecha que descuidas nesse teu coração

Agora me livro da roupa de que se valem a canalha do salão
Essa luz que me mastiga sem que me tenha dor nem traição
Essa estrada que se estende para além do que conhece tua tosca imaginação

Na torre das ideias
Na lembrança dócil
Onde os fantasmas descansam ao som da nossa ressonância
Onde não nos alcançam as agudas mãos

O fim de tarde onde te descubro linda
O olhar que não se finge
O sexo do amor do qual me abasteço

E não se engane
Não pretendo contar o teu dinheiro
Guardo apenas o gemido dos teus gozos

terça-feira, 12 de julho de 2011

TROCA

Vendo minha vida por uma moeda pra quem puder pagar
Essa que é só minha de sentir
E tão boa pra essa gente bêbada cantar

Deixo tua tarde com o céu lilas
Cubro de ouro teu santo de barro
Calo as buzinas da Vinte e Três
Erguendo o vidro elétrico do teu carro

Pra que tudo seja lindo
Pra que tudo seja certo
Onde de tão verdadeiro meu amor eu findo
Onde enfim eu da tua vida parto

Vendo minha vida por uma moeda pra quem puder pagar
Essa que me guarda os olhos
E que me leva lá longe quando vou me deitar

Deixo teu corpo bem vestido
Tua paz em negrito num cardápio
Teu pescoço enfeitado
Escondo atrás da tua orelha todo o teu ópio

Deixo luzir a prataria da tua festa
Retoco o verniz do teu sorriso
Digo a eles quanto é que custa
O moroso brilho do teu piso

Pra que tudo seja belo
Pra que tudo seja fino
Onde de tão leve eu fujo do teu castelo
Onde eu sou aquele velho menino

Vendo minha vida por uma moeda pra quem puder pagar
Essa mesma moeda que entrego
E que ninguém sabe guardar

sábado, 9 de julho de 2011

MINHA MENINA DE CICUTA

Tem medo não que eu prometo não saber
Prometo não dizer uma verdade
Não tentar desvendar a idade do beijo que a gente libertou

Tem medo não que eu juro não contar
Juro não sonhar o que penso acordado
Não mostrar-me cativado com a língua que teus olhos falam

Na Santo Amaro os botecos bocejavam
As luzes se apagavam e eu nem era mais uma criatura humana
Era um monstro que enterrava os dentes nas tuas ideias
Devorava a tua respiração

Tem medo não que eu prometo não sorrir
Prometo pensar
Negar e negar
E negar
E botar minha vontade sacana pra dormir

Onde eu existia enquanto você sonhava?
Onde foi parar o mundo enquanto a gente se pegava?