terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Fundo de Copo

Vou por aí porque preciso
Vou por aí meu velho amigo
Deixei algo de mim
Algo de ti ou de tudo
Algo que enfim me traduzia pro mundo

Quando parti feito um louco
Tatuei uma saudade em meu corpo
Pra matar em algum fundo de copo

O riso
O conselho
A burrada
O futebol
A ressaca
A madrugada que a gente rasgou num bilhar
Ou numa calçada

Não lembro
Não sei
Mas há algo que hoje me falta
Que me habitava feito um anticorpo

E que hoje eu busco em algum fundo de copo

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Um Curta

Havia uma janela
O meu reflexo tristonho
O choro bobo
Porra, há um buraco nessa lágrima
De onde escorre a minha alma
De onde cai a alegria que ponho de castigo
De onde eu me nego pra quem talvez me ame

E assim, talvez
Talvez o medo
Talvez o resto do barato
Do rolé na minha velha bicicleta
Da ressaca da década de oitenta
Talvez só a falta de saco pras bobagens importantes

Mas desta merda vem o discurso
Vem o aerosol colorido nos olhos abobalhados
Qualquer besteirol cuspido numa novela
É osso
É o poço onde se atola essa gente toda

Quando choro sou um pobre solitário
Quando rio sou um cachorro filho da puta
Eita mundinho que só curte um curta

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Gargalhada

E quando é assim?
Quando foi ontem e já amanhã
Agora
Lá depois do tombo
Do beijo
Do primeiro trinco no coração

Depois de um amor quebrado
De um amigo que partiu
Dos pais distantes
Do assalto legalizado
Da solidão
Esse rolo compressor que usamos pra pavimentar a modernidade

E quando é depois?
Onde é algo bobo
Uma piada
Uma mentira engraçada
Ou o seu nome noutra boca com carinho
E quando é assim?
A explosão que te alivia
Essa bomba do caralho chamada gargalhada

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Tosse

Sabe uma tosse?
Daquelas que você guarda por anos
Que você segura sem perceber
Pois não há tempo
Enquanto você chora
Enquanto você se encolhe amiúde
Por uma saudade inicialmente clara
Por uma culpa inicialmente justa
Duas putas que zombam da tua cara
Enquanto te roubam a alma
Sabe uma tosse?
É feito isso
Feito o foda-se que eu te dou agora

Eu Confesso

Já que você me pede eu confesso
Que não posso mais sorrir sem peso
Que não posso mais andar alegre
Que não sei sonhar um verso
Que não gosto de dormir tarde


Que não tenho mais vontade
Que não tenho mais amigos
Eu não olho mais a lua
Eu não gosto mais do carnaval


Já que você me pede eu entrego
Que não quero mais ir pro boteco
Que não quero mais ouvir piada
Que não gosto mais de pipoca
Que não toco mais minha guitarra depois que você me esqueceu

Que eu não quero mais um amor breve
Ou eterno
Ou terno ou fogo ou febre
Ah, qualquer barbaridade que te deixe feliz

Já que você me enche o saco eu invento qualquer bobagem
E assim você tem na testa o teu troféu
E eu tenho pressa
Pois lá onde o caldo do som engrossa o povo me espera
Lá onde o caldo do som engrossa o povo me espera

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O Jogo

Eu teimo no jogo mas me canso
Pois o jogo é bobo
Pois o jogo é óbvio
O jogo não põe na rua o carnaval que existe no meu peito
Eu teimo
Mas o jogo teima em ser só um jogo

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Escotilha

Parei um pouco a caminhada
Foi falta do que fazer
Foi falta de sono
Foi mesmo a vontade de olhar a estrada

Parei aqui pra lembrar de você
Foi falta de algo novo
Foi pra esquecer
Foi uma flor fedorenta perdida na gaveta

Lá fora a lâmpada fluorescente
A esquina
A madrugada pálida
Lá fora o mar profundo fora da gente

Aqui o silêncio que só um aguenta
Solidão
Soluço
O submarino que alma frequenta

Pele, músculo, olho e cabelo
Mas nenhum sorriso na escotilha do espelho

Roupa, tique, conhaque e gelo

E nenhum sorriso na escotilha do espelho

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Desperdício (Dois)

Endurecer a alma é um desperdício de tempo
Do tempo que nos cabe aqui
Mesmo que te assolem os dedos apontados
Os sermões burros ensaiados
Mesmo que a solidão seja a tua única morada
Ante a gente dura
As faces duras
As palavras duras
O coração duro e virgem de si mesmo

Endurecer a alma é um desperdício

Então o deserto não esquece sua aridez quando anoitece?
O mar não recolhe sua amargura quando alimenta os rios?
Então nisso eu quero ser leve
Eu quero ter meu riso na memória dos meus amigos depois do meu ato final

Depois que chegar a hora de eu brincar noutro quintal

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Vem um tempo aí

Não dormi na hora
E agora estou com sono
Vem um tempo aí
Vem um tempo de chuva lá fora
E depois vem a chuva

Minha janela é antiga
Lá onde a chuva vai cantar
Vai amarrar toneladas nas minhas pálpebras
Mas eu duvido
Minha alma voa
E ela gosta de me levar

Não durmo quando é a hora
E agora estou com sono
Vem um tempo aí
Vem uma festa pra mim
Ou um doce abandono

Vem um tempo aí
Minha alma sorri que não se aguenta:
Vem, Beto! Vamos lá fora!

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Quebrado

Quando percebi eu já era todo errado
Dono de um comportamento indevido
De um sentimento absurdo
De um brilho mal-educado

O meu sono era torto
O meu sonho vagabundo
Minha noite transviada
Minha música um barulho
Meu coração inapto para o mundo

O meu amor era incômodo
O meu perdão covardia
Minha insônia maldição
Minha alma um mar turvo
Meu choro pornográfico

E então onde estava todo mundo?
Quando algum sufoco me perambulava pra onde essa gente esperta se mandava?
Eu ali quebrado
As vidraças do meu ser apedrejadas pelo medo deles
Pela miudeza deles
Eu ali quebrado e sempre inteiro
Ereto e vivo
Feito a graça com que Deus me abraça
Eles intocados
Protegidos de cometer alguns erros
Curvados abaixo de seus tetos
Tumbas disfarçadas de casas
Nenhum arranhão em seus rostos
Corações intactos
Eu todo quebrado e todo vivo

Eles no discurso das moscas… falando mas já falecidos

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Meus olhos

Quando me acerta
Quando é a hora
Isso que me falta e que me sobra
Isso que me atrasa e que me adianta
Fecho a janela
Desço ao porão
Eu vou embora
Peço licença ao Sol
Apago minhas velas
Fecho a porta
Fecho meus olhos

Só pra eu ver o que realmente importa

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Fui Eu

Eu
Ascendi teus olhos no hora dura
Suspendi teu riso àquela altura
Onde o canto dos teus grilos se calava
Fui Eu

Eu
Vesti tua alma com fel e doçura
Dei-te a janela da tua bela loucura
Onde habita o ofício dessa tua alma
Fui Eu

Fui Eu, fui Eu
Teu pai e tua mãe
A tua derradeira escola
Fui Eu, fui Eu
Quem te ensinou
Mais vale as costas do amor
Que do mesmo uma esmola

Eu
Queimei o cobertor que te engana
Mostrei o frio que a mentira não profana
Onde o coração forte resiste teimoso e fundo
Fui eu

Eu
Tirei teu sono pra te dar a estrada
A companhia de uma lua ensolarada
Onde plantei os sonhos que tu sonhas
Fui Eu

Fui Eu, fui Eu
Tua puta e tua dama
A fornalha do teu coração
Fui Eu, fui Eu
Quem te ensinou
Mais vale o adeus do amor
Do que o seu olá por pura educação

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Transbordado

Sabe isso?
A métrica academicamente permitida
A gente vestida de santo antes mesmo de um milagre
A frase pronta e desinfetada
Politica e falsamente correta

A celebridade instantânea e oca
A música intelectualizada e fedida
Que senta sobre o seu rabo sem sair da toca
A música prostituída e cheia da grana
Que arrebata a burrice tão em alta

Sabe isso?
Que causa ânsia aos meus olhos
Que causa enxaqueca aos meus ouvidos
Sabe?

A Pinacoteca e seus fantasmas soberbos
A foto da bunda daquela
Que parece aquela que parece a outra
Que parece a louca vontade por qualquer tolo clique
O ibope
O hit
Tanta erudição

Tão pouca alma

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Respiração

Havia uma garota que chamava a minha atenção. Eu a perseguia com meus olhos timidamente quando ela aparecia pelo meu boteco preferido. Ela tinha algo singular. Sim, é algo simples de se dizer sobre qualquer desconhecido, mas ela realmente tinha.
Eu não fazia idéia do que era. Não era tesão ou apreciação por um padrão de beleza.
Certa vez, numa das noites por lá, alguém disse que a cerveja não estava devidamente gelada. Ela fez então uma cara: A cerveja está como deve ser.
Lembrei então imediatamente de minha avó. Era isso. Minha avó sempre teve um humor simples e forte. Era uma força encantadora, algo que eu vi em pouquíssimas mulheres. Ela tinha aquilo. Enfim.
Eu do alto de umas oito cervejas resolvi fazer um elogio: Você sabia que me lembra a minha avó?
Ela então mudou de rosto. Fez uma cara de ofendida e aquilo que eu admirava desapareceu.
É foda. O primeiro quintal que as palavras habitam, quando alguém despenca da boca o que pensa sem respirar numa pausa, é o quintal dos absurdos. O mais foda é que pode ser um absurdo lindo ou um absurdo tenebroso.
Ela ficou puta, imaginando que eu estava destilando algum tipo de piada.

Eu estava bêbado demais e falei tudo rápido demais. Acho que eu não esperei a razão que viria depois de uma simples respiração.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Tão Longe

Eu vi de perto
Eu estava tão longe
Aquela gente tosca
Aquela procissão triste e turva


Sabiam da letra mas não da alma da canção
Cuspiam sorridentes o discurso pronto
E os dentes branqueados na clínica
E a etiqueta das roupas rasgadas


Juravam uma única felicidade absoluta
Mostravam com orgulho sua própria prisão
E o riso era pautado no tom da moda
E o amor tinha preço e tamanho


Vi que então secavam o rosto
Apontavam neles uma lágrima púrpura
E não entendiam de nada
Da lágrima
Do gosto de sal
A possibilidade do novo era pra eles uma dor absurda


Eu vi
Eu que era o triste
O que não pertencia à sala alguma
Eu já em outra parada
Chorei de alívio
Eu estava tão longe