domingo, 30 de outubro de 2011

CAL

Nem vê nada agora
Nem se arruma num sofá
Nem esconde o corpo dentro da roupa
Nem almoça e nem sente fome
Nem mente
Nem sangra ou solta uma gargalhada
Nem dança
Nem machuca
Nem trepa e nem separa
Nem chora
Nem nada
Nem engana isso que existe antes de tudo aqui ter um nome

Eu, antes afogado de tudo
Desafogo qualquer mágoa estando agora guardado dentro de mim
E nessa monção fresca que lambe a cidade
Onde assentam seus barulhos depois da chuva
Voam comigo meus mais sinceros absurdos

A cal da casa da esquina que nunca foi terminada
A paz de não saber de nada
O trem feito uma linha no horizonte que às duas me chamava
Passava, passava
Eu tinha a escola na manhã seguinte
Tinha que desaprender da gente que sou
Que nasci
E que me culpam por eu ser
Humano e errado
Vergonhosamente feliz e livre
Desorientado num coração sempre com fome de tudo
Daqui e dali
E de você... Sempre.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

NO PONTO

Não, não é fácil assim
Não te concedo meu tempo pra que diga tuas bobagens
Não permito que encha os meus ouvidos com as tuas ladainhas

Ali, bem na vila da minha alma
Teu caráter obscuro se derrete no sol das minhas tardes
Teu sotaque chique se enrola na canção do meu sorriso
Onde minha boca percebe tantas outras mais doces que a tua
Moleca burra.

Não, não é fácil assim
Não te arrasto pelo tempo como um fantasma medonho
Não cultivo o descaso que você ministrou no meu peito faminto

É tarde
É domingo
E no ponto como eu gosto
Um café enquanto eu vigio a cidade
Um café sem nenhuma pitada da tua saudade

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

SÓ UM TOMBO (?)

Da minha janela eu vejo você
Meu olho vai aonde você não quer
Furo tuas brumas
Ando tuas ruas
Vejo tua lua nascer e morrer

Picho teu muros
Bebo em teus bares
Habito os motéis da tua saudade

Da minha janela eu vejo você
Teu peito é o livro que eu gosto de ler
Rasuro tuas frases
Arranco tuas folhas
Conto tua história

Beto, cala a boca

E desse jeito, meu bem
Quem de nós é assim tão liberto de tudo?
Quem de nós foi capaz te tocar fogo no mundo que a gente viveu?

Você foi por aí mas nem esqueceu
Dos tombos da tua vida
O melhor fui eu

ABANDONO (SIM)

Olhei você ali na estante
Teu olhar distante da lente
Teu olhar confiante de despir o mundo

Por que é assim tão fundo?
Por que é assim tão fundo?
Onde guardas o sol do fundo de mim?

Não pense assim
Nisso que um dia poderia acontecer
Você é só você e nem pode ver
Que já aconteceu
Sem a tua lógica querer
Sem tua bomba tola explodir meus sonhos

Saudade vai
Saudade sim
Ai de mim se eu fosse tão pequeno
Que não pudesse chorar o teu abandono

domingo, 16 de outubro de 2011

ANTES DA HORA

Queria tanto
Você nem faz ideia
Você nem fez questão de olhar pra baixo quando jogou no lixo o meu coração
Queria tanto
A rua secando depois de uma chuva leve
Batucada
Chinelo na mão
O tamanho exato de uma pequena multidão sonhando o dia inteiro
Queria tanto
Como se fosse o meu fevereiro
Como se fosse o meu fevereiro

Queria tanto
Você nem tem noção
Você nem teve mão pra segurar minha alma quando ela se perdia leve
Queria tanto
A marcha alegre que juízo algum constrange
Fantasia
Rabo de Galo
O sorriso exato pra que se lembre de mim o ano inteiro
Como o meu sorriso de fevereiro
Como o meu sorriso de fevereiro

Tanta canção
Tanta história
Já foi embora
Soltaste minha mão antes da hora

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

COISA ALGUMA

Acorda
Como a criança antes da escola
Como o boêmio depois da noitada
Como a praia depois da ressaca
Como o pai depois do velório
Como o solitário frente a multidão

Acorda
Como a pólvora após a fagulha
Como a saudade frente a lua
Como a cachaça na manhã seguinte

Como uma revolução numa cidade fantasma
Como um fantasma sem cidade alguma

Nunca mais?
Quando começa o refrão da tua preferida canção
Quando você tem que ficar mais um tempo
Recolhido dentro do seu coração

Atravessa
Como o carro que buzina no túnel
Como o pedestre na contra-mão
Como o pandeiro fora do tempo
Como o silêncio num aniversário
Como o adeus antes do olá

Como a nudez atrás de uma porta
Como a porta que não protege coisa alguma

terça-feira, 11 de outubro de 2011

PRA VOCÊ

Pode ir por aí
Eu te liberto de mim
Eu te recebo assim e te devolvo todo esborrachado
Com a beleza que ninguém dá conta
Com o olhar deliciosamente machucado de perfurar esses tantos muros

Pode ir por aí
Eu te arranco de mim
Eu te arremesso sem fim até onde ninguém te alcança
Até onde nem é homem nem é criança
Até onde nenhum amor daqui conseguiu acompanhar o teu coração

Nem importa a cor do céu naquela hora
A canção que tocava num boteco de esquina
Setenta e três eu te lancei pra vida
Aos sussurros nas orações de Orlando

Nem estou ainda bêbado do mundo
Nem estou bobo e cantando
Nem te peço que queime tua alma no meu solitário encanto
Nem quero que me perdoe por tudo

Pois eu faria tudo de novo e pior aos olhos desses que me caçam
Eu alimentaria esse bando de assustados
Eu mataria a fome desses coitados
Com o meu peito louco e vagabundo

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

SONHO LÚCIDO

Onde me encontro completo
Onde o receio não tem livre acesso
Deito o corpo de minha alma sob o Sol e sob o meu próprio inverno
Nem mais faminto de algum abrigo
Nem mais puto com esse mundo
Nem mais saudoso daquilo que jamais foi vivo

Perdoei o meu peito maravilhosamente bagunçado e confuso
Perdoei o amor como eu o sinto
Cantei de novo as vozes do sino que as mãos fortes de meu avô domavam
Enquanto os olhares do bairro se quebravam em pequenos pedaços
Que o vento sussurrava pra dentro dos meus olhos

Onde começa a nossa sociável mentira?
Eu a termino bem aqui comigo
Hoje
Agora acordei

sábado, 1 de outubro de 2011

SUMI

Qual tristeza enfim
Você com tanto cuidado guardou pra mim?
Eu bem que posso te dar esse agrado
Mas eu já te dei muitas noites dos meus olhos nublados
Do meu choro calado
Já deixei você roubar demais o meu sono
Teu fantasma não me assombra mais

Qual vingança então
Você cozinhou pra mim dentro do teu coração?
Eu bem que quero te ver mais feliz
Mas dos absurdos que você me diz eu guardo adeus
Não volta aqui
Quero que esqueça o contorno do meu rosto

Fiz teu gosto
Fiz teu gosto
Sumi