quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

SÓ AMANHÃ

Vão correndo
A bola malhada beijando o asfalto
O azul imperioso despencando do alto
Sobre as cabeças da molecada
Onde a ganância era a aterrissagem forçada
No dorso de um desconhecido planeta

Vão correndo
Tomando o mundo como se fosse sua caça
Bandeirantes dos gramados da praça
Os fantasmas sem lugar pra dormir
A vizinhança cansada de ouvir
As revoluções na escadaria da igreja

Vão correndo
Descamisados
Desolados de tanta alegria
Achando que a vida era sempre um único dia
Que jamais se acaba

Vão correndo
Deslumbrados
Desinfetados de toda apatia
Sem saber que escondido na esquina
O tempo já lhes traía

Mas só amanhã...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

HOJE O CÉU VAI CAIR

Hoje o céu vai cair por aqui
Avisaram na TV
Comentam no bar da esquina
Sofrem da verdade repentina
Que todo dia fingem não saber

As donas fecham as janelas
Daqui eu posso ver
As mães chamam suas crianças
Separam nas mãos as esperanças
O terço e aquela novena

Hoje o céu vai cair por aqui
Ah, quando vamos aprender a viver o dia?
Hoje o céu vai cair
E quando teu olhar me escolher
Tenho guardado pra você um
E aí?

Hoje o céu vai cair por aqui
Escreveram no jornal
Grita um homem num comício
Choram aqueles que têm o vício
De guardar o que não se leva por aí

Hoje o céu já vai cair
E só uma lágrima minha descia
Estaria tudo pra findar
E você sem saber enfim
Que eu te amei do tamanho de mim

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

ESQUEÇO

Quem sabe é coisa pouca
Quem sabe é só o vento
Soprando o que passou pra dentro de mim

Quem sabe foi a cachaça
Quem sabe a vida louca
Enquanto a noite me despia do corpo
E vi então a alma de mim
Solta e triste assim
Pedindo pra eu perder as rédeas do meu coração

Quem sabe foi a música
Quem sabe foi o vazio do salão
Onde dorme agora a poeira de uma farra

Quem sabe estou dormindo
Quem sabe já estou bem longe
Onde sou vizinho do meu grande amor
E nos escombros do meu peito
Bem feito
Bem feito

Quem sabe a Anchieta já se esqueceu de mim
Quem sabe ela já esqueceu também
Sendo assim não reclamo
Fico aqui bem calado
Até que o esquecimento não lembre mais disso assim

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

NOUTRAS

Algumas vezes tenho medo
Do sono súbito e a porta destrancada
Do porre selvagem no meio da gente
Da manhã cronometrada
De contar que ando descontente

Da resolução da insônia
Do terno amarrotado
Dos dígitos da minha conta bancária
Do trânsito engarrafado

Do que dizem de mim no trabalho
Da fotografia do radar
De que descubram que eu falho
Daquela velha cor do mar... que eu não vejo mais.

Algumas vezes tenho medo
Do que irão dizer do meu carro
Do corte do meu cabelo
Da marca do meu cigarro
Do meu sorriso amarelo

Das coisas finas do meu apartamento
Da esmola que me pedem
Da lista de presentes do meu casamento
Dos dias que aqui seguem

De estragar a peça do mostruário
Do inchaço de um terçol
Do oxigênio na água do aquário
Daquela velha cor do sol... que eu não vejo mais.

Tenho medo quando sou um homem sério
Pavor de mim
Pavor de minha alma
Tenho medo quando não percebo
Tua mão calma por aí

Algumas vezes tenho medo
Noutras sou maluco?